Por que as queimadas são resultado de uma política de desmonte ambiental?
Mieceslau Kudlavicz e Roberto Carlos de Oliveira[1]
Amanda Costa[2]
Andressa Zumpano[3]
Arte: Amanda Costa
Desde a campanha de Jair Bolsonaro para presidente, seu discurso liberal a favor da agricultura capitalista e do agronegócio apontavam para a flexibilização de leis e regras de proteção e preservação de áreas ambientais e indígenas. Em 2019, com a nomeação de Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente, escolha que alinhou as bandeiras já levantadas, essa política de desmonte já começava a ser evidenciada.
Após sua chegada, iniciou um processo reestruturação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio). Além de cortes nos orçamentos e demissões, o ministro passou a também a utilizar estratégias para responsabilizar movimentos sociais, comunidades e partidos políticos de esquerda pelos desmatamentos e incêndios florestais nos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal.
No entanto, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), entre janeiro e junho de 2020, 71% das queimadas em imóveis rurais ocorreram para manejo agropecuário. Análise também apontou que metade dos incêndios do primeiro semestre ocorreram em propriedades de médio e grande porte – acima de 440 hectares, o equivalente ao mesmo número de campos de futebol.
Esses números caminham ao lado e são resultados desta política de desmonte dos maiores órgãos de fiscalização ambiental do país, com corte de 45 milhões no programa de apoio à criação, gestão e Implementação das Unidades de Conservação Federais do ICMBIO, redução de 55% do quadro de agentes fiscais do Ibama e corte de 39% das verbas de capacitação para o combate de incêndios, compra de equipamentos e manutenção de logística de prevenção e combate ao fogo.
Sem conhecer a equipe que estava assumindo, exonerou 21 superintendentes do Ibama e fechou 11 coordenações regionais no ICMBio, mantendo apenas 1 gerência para cada região do país. Para completar sua política autoritária, militarizou o ICMBio substituindo os chefes destas gerências por militares que trouxeram suas equipes prontas e montadas.
Ao mesmo tempo em que esse conjunto de ações de destruição das políticas públicas ambientais de controle e preservação começam a ser implementadas, a certeza de impunidade tem, de certa forma, estimulado a invasão de territórios, terras de reserva legal e Áreas de Preservação Permanente (APPs) em assentamentos de reforma agrária, que colocam em risco comunidades inteiras.
O desmatamento dessas terras, que se mostra atrelado principalmente à expansão agropecuária e ao cultivo de soja reforçam que a destruição das leis de proteção ambiental está conectada, mais do que nunca, com os interesses do agronegócio e do capital internacional.
Caso Quilombo Cocalinho
Leandro Santos, fotógrafo, comunicador popular da Campanha em Defesa do Cerrado, militante do MOQUIBOM – Movimento Quilombola do Maranhão e articulador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos, relata os impactos do fogo e do agronegócio no território quilombola Cocalinho, localizado em Parnarama (MA).
O território é cercado por fazendas de monocultura de eucalipto, soja e milho e também pela criação de gados de corte. Latifúndios que são diretamente beneficiados pelos desmontes das políticas ambientais acima citados.
“Durante esse ano, desde o dia 01 de setembro de 2020, vários focos de incêndio surgiram de dentro da fazendas Canabrava, áreas com plantio de eucalipto, desmatamento de brotos e árvores nativas, colocando fogo nas leiras, daí os incêndio passaram para as áreas do território com várias chamas de fogo. Foi com um processo de organização da comunidade, em que homens, mulheres, jovens montaram um mutirão, que tentamos fazer o controle do fogo com tambores de água, panos molhados, fazendo aceiros com foice, arrebatando com galhos de folhas verdes. Mas como a temperatura é quente e ventila muito, as faíscas saem por aí e continua queimando o bioma, a biodiversidade, os frutos nativos, as nossas raízes medicinais, as roças de toco, o plantio de caju, capoeiras de mandioca e de milho. A comunidade sofre e sofreu impactos por contas desse fogo que saiu das áreas do agronegócio e também das fazendas de agropecuária, onde eles tocam fogo para poder soltar o gado, que faz limite com o território. Daí para cá surgiram vários focos de incêndio que não tenho nem a quantia… Mas os culpados, os responsáveis pelas queimadas, pelos focos, pelas chamas, são o agronegócio, os fazendeiros, o sojeiro, a Suzano, os gaúchos,os grileiros, os Paraguai, os paulistas. O território é cercado por muitas fazendas: Fazenda Canabrava 1 e 2, Fazenda Normanza (monocultivos de eucalipto e soja), Fazenda Criméia (monocultivo de soja, milheto, feijão e criação de gado), pequenas propriedades vizinha comandadas por gaúchos (monocultivo de soja) e três fazendas com áreas de agropecuária. Estamos dentro de uma lata de sardinha, completamente cercados.”
Auto organização indígena contra o fogo no Cerrado
Cerca de 216 terras indígenas e 83 diferentes etnias residem no Cerrado Brasileiro. São aproximadamente 100 mil indígenas distribuídos nos estados do Maranhão, Tocantins, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Povos e territórios que também foram diretamente impactados pelo desmatamento e queimadas de campos e florestas e da biodiversidade, que abriga sua subsistência e seus modos de vida.
O uso de técnicas como manejo de fogo e contra-fogo, são saberes tradicionais dos povos do Cerrado, que usados da forma adequada contribuem na conservação dessa savana. De acordo com dados do Instituto SocioAmbiental (ISA), o Cerrado possui cerca de 17 brigadas indígenas de combate ao fogo. Essa técnica é relatada por Antônio Apinajé, indígena do Povo Apinajé no estado do Tocantins, que também explica a relação do desmatamento com as queimadas que avançam no Cerrado.
“Essa prática da queima desse período, dessa prática cultural do uso do fogo para aceirar, fazer a aceiro nas áreas de campo, do Cerrado, também foi adotado pelos brigadistas do PrevFogo. Eles chamam de manejo integrado do fogo. E foi o povo Xerente que primeiro levou essa prática para ser aplicada nas atividades do Ibama. E é tanto que os os Xerentes têm uma brigada especializada nessa prática. Esse é um conhecimento dos Xerente, dos Xavantes, dos Timbira. Já usavam há muito tempo no Cerrado, na Amazônia. Na Floresta Alta é diferente, na floresta alta não pode queimar. Aliás, a floresta alta nunca foi queimada, ela não é queimada dessa forma. Existem povos indígenas que não queimam, apenas derrubam a roça e plantam na folha mesmo. Agora, a floresta tá queimando porque a floresta tá virando savana. A floresta amazônica está sendo destruída. E estava aqui esquentando a floresta, a floresta secundária, a floresta primária, dessas áreas. Estão sendo pressionadas pelo desmatamento, elas estão queimando dessa forma. As queimadas estão avançando junto com o desmatamento, junto com as pastagem. Ultimamente, com as altas temperaturas, a floresta pega fogo fácil. E é junto com todo esse material que se acumula que fica essa coisa descontrolada. No mês crítico, que é entre agosto e setembro, não tem quem apague. Um fogo grande. Ele é colocado. Então, a gente tem que trabalhar muito essa questão de fogo no Cerrado. Porque no cerrado nós temos duas situações, temos as áreas de campo e temos as floresta, as floresta é uma das mata ciliar, que está sofrendo muito com o fogo, o fogo descontrolado.”
Acesse a Carta Pública “Diante de mentiras que ninguém acredita, é preciso reafirmar o óbvio: As queimadas são culpa do agronegócio!”
[1] Agentes da CPT regional Mato Grosso do Sul
[2] Assessora de Comunicação da CPT
[3] Comunicadora do Coletivo de Comunicação da CPT
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