Para Xavier Plassat, frade dominicano engajado há mais de trinta anos na luta contra a escravidão moderna no Brasil, o frei Henri Burin des Roziers, que foi o advogado dos sem-terra na Amazônia, permanece «um guia» em vista de um mesmo combate.
Texto: Claire Lesegretain – La Croix
Imagem: La Croix
“Henri foi uma referência muito importante para mim, por suas convicções evangélicas, sua paixão pela justiça e também por ser competente”. Xavier Plassat, um frade dominicano de 70 anos, gosta de evocar sua grande proximidade com Henri Burin des Roziers, outro frade dominicano que morreu em 2017 e que lutou por quase quarenta anos “como um advogado descalço”, para defender os camponeses sem terra da Amazônia brasileira.
Frei Burin des Roziers, na realidade, nunca foi seu acompanhador espiritual. E os dois dominicanos nunca viveram na mesma comunidade. Xavier Plassat, porém, bem sabe tudo o que deve ao irmão mais velho. Começando pela “grande proximidade fraterna e pelo companheirismo na mesma luta. Henri foi minha inspiração, meu conselheiro”, continua o frei Plassat. “Ele podia ser muito crítico – especialmente da minha maneira de querer ser aquele europeu eficiente – e ao mesmo tempo muito misericordioso”.
No entanto, o encontro entre esses dois dominicanos demorou para acontecer. “Eu poderia ter conhecido Henri durante meus quatro anos de estudo em Paris”, explica Xavier Plassat. Mas o estudante frequentava a capelania dos estudantes de Sciences-Po enquanto o jovem padre dirigia o centro pastoral Saint-Yves, para os estudantes da faculdade de Direito. “Eu também poderia ter ouvido falar dele quando comecei a frequentar os dominicanos no convento de Saint Jacques, antes de entrar na Ordem no final de 1971”, continua ele. Mas foi a figura de Tito de Alencar, um dominicano brasileiro exilado na França, que os uniu.
Líder da Juventude Estudantil Católica (JEC), Tito de Alencar foi preso pelos militares em São Paulo em 1969, acusado de ter atividades políticas. Exilado em 1971 em Paris, ele chegou em 1973 em L’Arbresle, perto de Lyon. Nesse convento onde Xavier Plassat seguia então sua formação dominicana, frei Tito, psicologicamente destruído pelas torturas sofridas, pôs fim aos seus dias no ano seguinte. Um episódio trágico que deixou uma marca duradoura em Xavier Plassat. Ele se lembra das conversas apaixonadas com seu amigo brasileiro sobre a Igreja na América Latina e suas comunidades eclesiais de bases. “Eu senti que era essa a Igreja com a qual sonhávamos quando eu era militante na JEC”.
Uma rede dominicana dos “alternativos”
Naquela época é criada uma rede dominicana dos “alternativos”, que inclui Henri Burin des Roziers, então em Annecy, e Jean Raguénès (1). “A gente se reunia de tempo em tempo em Lyon. Compartilhávamos uma solidariedade de visão. O funeral de Tito em Arbresle e Lyon nos aproximou ainda mais”. Em 1978, Henri Burin des Roziers parte para o Brasil, uma escolha que não surpreende Xavier Plassat. Ele próprio havia sido “muito tentado” de se mudar para lá quando retornou do ano de cooperação que passou na Costa do Marfim. “Mas eu resisti, considerando que isso podia ser alguma fuga”. Cinco anos depois, surgiu a oportunidade de Xavier Plassat descobrir o Brasil e de enraizar ali seu vínculo com Henri Burin des Roziers.
Em 1983, Xavier Plassat de fato recebe a incumbência de organizar o repatriamento do corpo de Tito de Alencar. Após uma semana na diocese de Goiás, ele chega a Porto Nacional, no Tocantins, um vasto estado no sul da Amazônia. Ele é acolhido por Henri Burin des Roziers, que havia iniciado nesta região a Comissão Pastoral da Terra (criada pela Conferência Episcopal Brasileira para defender os camponeses). “Ele me levou por toda parte e eu o vi levando apoio moral e legal às comunidades camponesas que fazendeiros tentavam despejar, recrutando pistoleiros (assassinos contratados) e espalhando o medo”.
Quinze dias de jipe
Viajando de jipe pelo estado por duas semanas, os dois homens se unem. “Henri, sempre com aquele sorriso, me fez descobrir os assassinatos, os incêndios e as piores tragédias!”. Xavier Plassat se lembra particularmente da noite da Páscoa em uma comunidade no Bico do Papagaio (“Bico do Perroquet”), uma região de fronteira particularmente violenta. “Reagindo a um ataque brutal, os camponeses tinham sido levados a liquidar dois pistoleiros e, naquela noite, enquanto líamos na Bíblia a travessia do Mar Vermelho, eles estavam celebrando a Páscoa em condições que eu nunca poderia ter imaginado”.
O que o advogado dominicano também quer mostrar ao seu jovem confrade é que essas violências não são apenas atos de alguns proprietários, mas que elas resultam de um sistema estabelecido, financiado por subsídios públicos e sustentado por uma discriminação histórica contra os camponeses mantidos na miséria. “Ele havia mantido o contato com alguns ex-estudantes do Centro Saint-Yves que se tornaram procuradores em Paris ou advogados em órgãos internacionais. E eu observava como ele colocava em movimento todas as suas redes”.
“Henri tinha uma capacidade formidável de análise e de raciocínio que lhe permitia ver com muita clareza quem denunciar, com quais argumentos e a quem pedir apoio”, continua frei Plassat, admirativo pela tranquila ousadia do frei Burin des Roziers em chamar para contribuir as personalidades que julgava úteis, enviando-lhes cartas e petições e pedindo-lhes que, por sua vez, escrevessem a políticos ou embaixadores. “Sua capacidade para tornar universais fatos localizados me impressionou”.
De volta à França, enquanto trabalhava em uma empresa de perícia social na região de Lyon, frei Plassat continua apaixonado pela Amazônia brasileira. Ele volta para lá em 1985, o que lhe possibilita ver o frei Burin des Roziers novamente e aprofundar seu conhecimento sobre a Comissão Pastoral da Terra. O Brasil acabara de sair de vinte anos de ditadura militar. “Dava para entrever que certos conflitos seriam resolvidos com uma reforma agrária e que muitos camponeses finalmente ganhariam sua parcela de terra. Mas esses camponeses, que não tinham vivido em posição de autonomia há muito tempo, precisariam ser apoiados, técnica e economicamente. “
Responder a uma necessidade real
Foi então que Henri disse ao amigo: “Você que é economista, poderia ajudá-los!”. Esta frase, o frei Plassat a amadurecerá por três anos. “Eu me tinha sentido desafiado. E sentia que agora eu podia pensar em partir, porque não se tratava de satisfazer nenhuma busca de esquisitice, mas sim de suprir uma necessidade real”. Depois de obter a aprovação de seu provincial, ele chegou ao Brasil no início de 1989.
“Contratado pela Comissão Pastoral da Terra, mudei-me para a casa de Henri, na esperança de fazer comunidade com ele. Mas foi quando ele inventou outra jogada”. De fato, ele acabava de sair para uma viagem de um ano [sabático] à Nicarágua, México e Guatemala.
Estabelecido na região do Bico do Papagaio, a 300 km do frei Burin des Roziers, Xavier Plassat, no entanto, mantinha um contato telefônico regular com ele. Foi Henri o primeiro a apontar-lhe casos de escravidão, numa época em que Xavier não sabia nada do assunto. “Ele queria alertar a Organização Internacional do Trabalho sobre essa questão. Ele preparou um dossiê bem substancial e o enviou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos [da OEA]. Isso teve um enorme impacto”. E, para Xavier Plassat, foi o ponto de partida na luta contra o trabalho escravo, que aos poucos passou a ser seu principal campo de ação.
(1) Morreu em janeiro de 2013, este dominicano foi uma figura na luta da fábrica Lip, em 1973. Depois se estabeleceu no Brasil, em 1994, onde lutou contra a escravidão moderna.
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Xavier Plassat
1950. Nascimento perto de Douai (norte da França).
1964-1967. Militância na Juventude Estudantil Cristã (JEC).
1967-1971. Estudos em Paris; engajamento sindical e participação em “Maio de 68”.
1971-1972. Noviciado em Lille.
1972-1976. Estudos dominicanos em l´Arbresle e Lyon.
1974. Suicídio de seu amigo dominicano Tito de Alencar.
1983. Primeira viagem ao Brasil para acompanhar os restos mortais de Tito de Alencar; encontro com Henri Burin des Roziers.
1989. Retorno ao Brasil, enviado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).
1997. Lançamento da Campanha nacional do CPT contra o trabalho escravo.
2008. Prêmio Nacional de Direitos Humanos, concedido pelo Presidente Lula.
2010. Prêmio “Herói do US TIP Report” (Tráfico de Pessoas)”, pelo governo Obama.
Henri Burin des Roziers
1930. Nascido em Paris.
1957. Doutor em Direito.
1958. Ingresso nos Dominicanos, após um encontro com o frei Yves Congar.
1963. Ordenação em Paris; torna-se capelão da Faculdade de Direito, rue d´Assas [Quartier Latin]; animador do Centro Saint-Yves em maio de 68.
1978. Enviado para o Brasil, coloca-se a serviço da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
1985. Fim da ditadura militar e promessas de reforma agrária; defende o Movimento dos Sem Terra (MST).
2003. Membro da Comissão Nacional contra Trabalho Escravo.
2005. Ameaças de morte; proteção, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil.
2014. Retorno à França após sofrer três AVC.
2016. Publicação de « Comme une rage de justice » (com Sabine Rousseau, Cerf), publicado no Brasil em 2018: “Apaixonado por Justiça”, Editora Elefante.
2017. Morte em Paris.
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